Ainda sobre este assunto relacionado com a recente história alemã, confesso que não consigo evitar falar sobre isso junto de alemães com quem me cruzo, por motivos profissionais, aqui no Algarve.
Sinto-me um verdadeiro violador uma vez que é evidente o desconforto e embaraço com que me respondem.
Na Alemanha, falar sobre isto não só é tabu, como, em alguns casos, é mesmo um crime punível com pena de prisão.
Muitos dos alemães mais jovens sentem-se envergonhados com a questão do holocausto e, por isso, referem que preferem não falar e desinteressar-se do assunto. É um espécie de blackout colectivo, um tema tabu de que não se pode falar.
Mas, também há outra teoria.
A de que, pelo menos, alguns não gostam de falar sobre o assunto por lhes recordar (a eles e ao interlocutor), não a questão do holocausto, mas a questão da dupla derrota nas Grandes Guerras.
Aí o tabu/blackout funcionaria como forma de alienação ou catarse relativamente a uma recordação traumatizante, como quando tentamos não falar de um ente querido que faleceu de forma a nos auto-defendermos do sofrimento que essa lembrança nos causa.
De qualquer forma, é inevitável que todos eles tenham um passado familiar ligado ao Nazismo. O próprio Papa actual serviu sobre a bandeira Nazi, na fronteira com a Hungria e na defesa das anti-aéreas junto de uma fábrica da BMW.
Não é por uma pessoa ser alemã que é necessariamente culpada pelo nazismo. Mas em muitos filmes, sobretudo americanos, os alemães são sempre apresentados como os "maus da fita".
Sobre os americanos, nota-se. aliás, um verdadeiro ódio, semelhante ao que os franceses sentem, o que justifica, entre outras razões, a alianção do eixo França-Alemanha contra posições dos EUA, em matérias, como por exemplo, a Invasão do Iraque.
Mais recentemente, tem havido uma onda de contestação pela realização americana do filme Valkyrie sobre o Conde Von Stauffenberg que tentou assassinar Hitler. Para muitos alemães, trata-se da combinação de 2 "pecados": o de mexer num tema tabu e o de fazê-lo numa perspectiva americana.
Há que não esquecer que mesmo o recente filme da Queda, de origem alemã, embora tenha sido um êxito no estrangeiro, gerou pouco entusiasmo na própria alemanha, precisamente devido a esse "blind" mental colectivo que a maioria dos alemães cumpre escrupulosamente.
Bom, e no meio das minhas inquirições junto destes alemães algarvios, pude constatar, mais uma vez, o quão recente é ainda este assunto. E, talvez seja por isso que me causa um certo entusiasmo o facto de estarmos ainda a falar de uma "história viva" onde muitas pessoas, locais e objectos ainda nos dizem muito sobre este passado recente.
O pai de um deles foi chefe intermédio das SS em França e teve que se refugiar, durante algum tempo, numa quinta, de forma a fugir à prisão.
O avô de outro foi soldado das SS e sobrevivente da batalha de Leninegrado e no seu sotão, ainda se guarda a farda das SS e o respectivo capacete, sendo que a sua avó, até ao fim da vida sempre se manteve apologista de Hitler e da sua ideologia.
A avó de outra alemã algarvia trabalhou no campo de concentração de Dachau.
A empresa de maquinaria agrícola Mengele, propriedade da família do Dr. Mengele, apoiante do regime Nazi (à semelhança das principais marcas de carro alemãs), ainda hoje perdura e é uma das empresas mais pujantes da Alemanha, nesta área.
Esta empresa "subsidiou" literalmente a fuga desse assassino doentio que foi o Mengele, pagando-lhe viagens, rendas de casa, comprando-lhe inclusive quotas em explorações agrícolas, etc. chegando ao ponto de incluir essas despesas na sua contabilidade oficial enquanto "despesas de representação" e ainda tentaram retirar proveito dessa situação ao nomeá-lo como seu agente de vendas nos vários países por onde este andou fugido.
Pois bem, esta empresa fica a pouca distância da casa de um destes alemães com quem falei e é escandaloso pensar que nenhum dos gerentes desta actual pujante empresa foi penalizado, quando nos anos 70, se descobriu terem sido eles os responsáveis pelo bom sucesso da fuga do seu familiar.
Enfim, a história está ainda muito fresca.
P.S.- Seria também de averiguar, como me retorquiu e bem um destes alemães com quem falei, à laia de defesa contra a minha "violação" do seu passado individual e colectivo, onde páram os agentes da PIDE que ainda estão vivos.
Não para os castigar, mas seria interessante confrontá-los com o passado em face do presente e vice-versa. Este, para mim, é o ponto mais importante desta história viva que nos permite quebrar a barreira do tempo e do passado.
Há uns anos atrás, causou polémica a entrevista que um deles deu, no seu monte alentejano, pelas opiniões que expressou e sobretudo pelo facto de lhe ter sido atribuída uma pensão.
Todos os países têm, pois, o seu lado negro da história recente e muitos dos que lhe sobreviveram andam por aí ainda, misturados com o resto da multidão...