A presente crise social e económica que atravessamos irá obrigar o homem das sociedades modernas ocidentais a ter que escolher entre continuar a ser estúpido ou o passar a ser simplesmente remediado.
De facto, uma das lições mais fortes que se pode retirar desta crise reside na constatação de que o homem hodierno é profundamente antropofágico, na medida em que procura construir algo que logo depois, por tolerância ou inércia, contribuí para destruir.
Senão vejamos: Nas sociedades modernas ocidentais somos levados a trabalhar arduamente com o objectivo de obter meios para termos um bom, ou pelo menos razoável nível de vida, isto é, um apartamento confortável ou, se possível, uma vivenda, com garagem e piscina: um carro vistoso e, se possível, de alta cilindrada; um seguro de saúde com cobertura internacional; um flat screen com som surround stéreo; umas férias no estrangeiro ou num Resort de luxo; roupa de marca; etc., etc. Mas também queremos trabalhar para ganhar dinheiro para pagar uma boa escola aos nossos filhos, com bons professores, para lhes oferecer o ipod último modelo e a nova versão da playstation e bilhetes para os festivais de rock de verão, etc.etc..
Porém, trabalha-se tanto que se acaba por não ter tempo nem para dedicar ao descanso, nem à mulher, nem aos filhos e depois, apesar de todo o investimento feito em anéis, playstations e escolas privadas resulta que o casamento dá em divórcio e os filhos tornam-se estranhos na própria casa sem objectivos na vida e sem vontade de trabalhar ou tirar um curso.
E a razão de ser do investimento no trabalho e na obtenção de rendimentos passa a ser a razão de um novo pesadelo que implica reaizar mais despesas resultantes do processo de divórcio, da pensão de alimentos, da compra de uma nova casa para ir viver com a nova namorada, compra de novo enxoval, novos móveis, isto é, mais despesa, o que implicamais trabalho para pagar a despesa.
Isto é ser estúpido: trabalhar que nem um cão para pagar despesas e fazer investimentos sobre coisas que depois se perde precisamente porque se esteve a gastar tempo a trabalhar.
É um ciclo vicioso antropofágico que me faz lembrar a história de um amigo meu que deixou um emprego no sector privado para trabalhar no sector público para supostamente ter mais tempo para a família. Agora com o 2º filho e tendo-se mudado para uma casa maior e melhor localizada, passou a ter que realizar trabalhos extras, por vezes, até altas horas da noite de forma a ganhar mais dinheiro. Em resultado, começou a ter problemas de saúde e há dias que praticamente não vê os filhos.
Ora, a alternativa que forçosamente vamos ter que seguir sob pena desta crise ter consequências muito, muito negativas passam por um comportamento mais remediado em tudo. Gastar menos electricidade, água e gás para pagar menos de factura; fazer mais pic-nics ou acampar em detrimento dos resorts de luxo; anular os cartões de crédito; aguentar o carro mais tempo; comer mais sandes e saladas; aguentar o casamento evitando despesas de nova casa, pensão de alimentos, prendas para a namorada nova, etc.,etc. .
Numa palavra, ser mais remediado; ganhar menos dinheiro, para estar mais tempo em casa de preferência em actividades que não obriguem a gastar energia artificial.
É claro que deixar de ser estúpido para passar a ser remediado tem um preço que passa por mais despedimentos, mais falências, mais inactividade. Porém, todas as crises têm um preço e, neste caso, o resultado será o surgimento de uma nova civilização de menos consumismo e mais contenção e (quiçá) maior felicidade.
Publicado no jornal regional "Notícias de S.Brás" Edição de Agosto de 2008
2 comentários:
Caro Colega,
o artigo é interessante, afirma algumas verdades, em especial as que desmontam o "ideal" de muitos incautos, que quiseram aceder a níveis de vida e estatuto social a que, naturalmente, nunca poderiam ter acesso...
Penso que os "culpados" não foram só os jovens incautos que se meteram na boca do lobo...
Esses jovens e casais novos foram também ardilosamente enganados com publicidade agressiva feita sobretudo pelas entidades bancárias que - desejosas de arrecadar mais dinheiro e mais clientes - tudo fantasiavam em termos de sucesso e promessas de facilidades.
Agora, são os próprios Bancos que não sabem o que hão-de fazer com os créditos mal parados...
Tudo isto era claramente previsível, e não posso deixar de criticar severamente os nossos (des)governantes que têm o dever de zelar pelo bem estar dos cidadãos, e nunca tiveram uma palavra de alerta para tais situações, nem uma atitude minimamente responsável perante tais desmandos dos senhores do capital...!
Mas sabendo-se que, depois de uns anitos de (des)governo, vão todos parar aos cargos de administração de tais entidades bancárias... como poderiam eles actuar contra as mentiras e os engodos lançados pelos seus futuros patrões...?!
Um abraço!
www.ocanto.wordpress.com
Tem razão.
A sociedade consumista vive muito à custa das necessidades artificiais como forma de se auto-subsistir.
A crise mundial tem muito a ver com a crise de um sistema económico de mercado que está (também ele) esgotado.
É pena que a maioria ainda não se tenha disso apercebido.
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