domingo, 30 de setembro de 2007

A crise do Estado e as seringas



A questão da troca de seringas nas prisões portuguesas é, a meu ver, mais uma medida desastrosa e contraditória que vai contra a própria natureza de um Estado de Direito.


De facto, um Estado, com uma constituição programática como a nossa tem como objectivo fomentar a paz e o progresso social entre os seus concidadãos.


Nesta perspectiva, a meu ver, há sempre um objectivo de perfeição mínimo.


O Estado não tem por missão fazer com que os cidadãos sejam santos; mas já tem obrigação de lhes dar as condições mínimas para poderem ter saúde, poderem criar e educar os seus filhos, poderem trabalhar e ter o seu sustento, etc., etc..


Entendo, pois, a missão do Estado como isso mesmo uma “missão” de melhorar o que está mal e é objectivamente nocivo.


Porém, nos últimos tempos, à semelhança do que tem vindo a acontecer em vários outros países ocidentais, surge um pouco a ideia do reconhecimento do falhanço do Estado.


O Estado de Direito não consegue melhorar a vida das pessoas porque o Orçamento não permite, porque as políticas de contenção de despesa não permitem, porque não há meios logísticos, nem humanos para mudar a realidade.


Então, se assim é, o Estado opta pela ideia do “Se não consegues vencê-los, então junta-te a eles”. E, assim, o objectivo do Estado deixa de ser o de melhorar a realidade negativa, tal como resulta da sua própria Constituição, mas sim simplesmente o de atenuar as consequências e efeitos negativos dessa realidade negativa.


Esta lógica de medíocridade, conformismo e resignação vimo-la recentemente na forma como a nova Lei do Aborto foi regulamentada e vemo-la agora na forma como, de forma descarada, se opta pela distribuição de seringas nas prisões.


Mais uma vez a lógica do “A droga nas prisões é uma realidade, quer queiramos, quer não”; “O uso de seringas usadas e infectadas é uma realidade quer queiramos, quer não”; “A infectação de pessoas com HIV e Hepatite é uma realidade quer queiramos, quer não”, logo só há que distribuir seringas.


Se bem se recordam este mesmo argumento foi utilizado até à exaustão com a questão do aborto clandestino e da importância de minorar os seus efeitos negativos para a saúde da mulher.


O Estado não está preocupado em combater a entrada de droga nos estabelecimentos prisionais que são tutelados por si e onde era suposto promover a reintegração pessoal e social dos presos.


O Estado não está preocupado em sujeitar os presos toxicodependentes a programas de desintoxicação, colocando-os eventualmente em locais mais adequados à sua cura.


Não, o Estado débil só sabe reconhecer a sua impotência e depois concluí “que se droguem, mas sem se infectarem”.É chocante e diz muito do Estado e da sociedade medíocre em que actualmente vivemos.


Passámos, no início do século XX, de Estados autoritários e com um forte pendor transformador e programático, caso dos Estados totalitários nazis e comunistas, para, no início do século XXI, um Estado frouxo, oco, conformista, impotente e permissivo.


De um Estado programático totalitário e depois democrático, passámos para um unicamente Estado pragmático.


Sobre esta temática da crise do Estado, veja-se mais aqui

2 comentários:

volleyman disse...

Se bem que aceite a sua posição, tenho que aceitar igualmente o pragmatismo dessa medida.
Se numas coisas o argumento é a vida pela vida, aqui também se deve pensar do mesmo modo. Ou vamos discriminar negativamente os toxicodependentes face aos potenciais bebés (alguns deles também serão um dia toxicodependentes ou não?)...
Que haja então coerência nas tomadas de posição!!!

MRC disse...

Eu até nem me opunha à distribuição de seringas aos toxicodependentes das prisões se se visse, de igual forma, um forte empenhamento do Governo no combate ao tráfico de estupefacientes dentro dos próprios estabelecimentos prisionais (quantas vezes com o conluio dos próprios guardas prisionais) e no apoio intensivo, e se necessário, em locais separados próprios mais adequados, à recuperação.
Mas não é isso que se vê. o que se vê é ir logo directamente para a solução mais medíocre e dar a guerra por perdida: não vale a pena evitar a entrada de droga nas prisões, não vale a pena recuperar os presos toxicodependentes, o que vale é dar-lhes seringas para que se droguem "em condições".
É isso a que me refiro no meu post.
Um abraço !