domingo, 10 de outubro de 2010

Lutas de classes



No âmbito da Plataforma Algarve pela Vida, estamos, neste momento, a ajudar uma grávida do concelho de Loulé que, com grande coragem aceitou trazer ao mundo o ser humano que traz no seu ventre, ainda que em condições psicológicas, económicas e familiares muito adversas. Para variar e como é típico de muitos homens, o pai do bébé, desculpem-me a expressão “deu à sola”, depois da habitual chantagem do “ou escolhes o bébé ou escolhes-me a mim”.
Isto para dizer que fiquei estupefacto ao constatar que a casa desta grávida tem poucas condições de habitabilidade e, por maioria de razão, nenhumas para receber uma vida nova. A sua casa de banho não tem banheira, o corredor é estreito e os quartos exíguos, pelo que não há espaço nem para uma banheira de bébé, nem sequer para um berço. Por este motivo, o bébé, quando nascer terá que dormir em cima da cama e aí tomar banho.
Estava eu ainda meio atordoado com esta situação quando, imediatamente no dia seguinte, o meu filho foi convidado por um amiguinho para ir visitar a sua casa nova e experimentar os mergulhos da sua nova piscina. Quando lá chegámos pudemos constatar que a vivenda era enorme e com bastante espaço. Verifiquei que a maior preocupação dos pais residia na conclusão da chamada “sala de cinema” que ainda não estava totalmente acabada, mas que já criava grande expectativa, sobretudo, entre os mais novos. Trata-se de uma sala enorme onde os filmes passarão numa grande pantalha.
Devo dizer que este contraste criou em mim alguma confusão de sentimentos e , por breves instantes, apesar da minha militância activa no PSD, senti-me fortemente atraído pelos ideais do comunismo mais puro e duro: que todos, independentemente da sua condição e origem social, tenham casas iguais, sem grandes luxos, mas dignas para viver.
No 3º dia, resolvi confrontar o meu filho de 7 anos com estas 2 situações e pedi-lhe explicações por este contraste. Ele, depois de ouvir, respondeu-me o seguinte, “então, os pais do meu amigo estudaram e têm um trabalho que lhes dá muitas moedas e, por isso, têm uma casa grande e com piscina enquanto que essa grávida é pobre porque, se calhar, não quis estudar, nem arranjou um trabalho que lhe dê a ganhar muitas moedas”. Enfim, um raciocínio demasiado simplista, mas com alguma ponta de razão.
Por um lado, é importante que a sociedade civil (através das várias instituições existentes) e o Estado (através do Instituto da Segurança Social) promovam a inclusão dos excluídos, através dos mais variados apoios sociais, de forma a assegurar uma correcta redistribuição dos recursos. Mas, por outro lado, também é importante que o Estado e a sociedade saibam premiar quem mais se esforçou, quem mais trabalhou ou trabalha de forma a exaltar a importância do mérito e da excelência. Pelo contrário, as situações de enriquecimento sem mérito, feitas de forma fraudulenta, devem ser fortemente penalizadas e desincentivadas.
Como dizia no outro dia um comentador, a crise que passamos mostra que se continuam a aplicar modelos antigos a realidades novas. Isto significa que, perante a derrota do comunismo e o fracasso total do capitalismo exacerbado, deveríamos refundir o nosso regime e repensar as nossas formas de gestão e redistribuição da riqueza. Penso que Bill Gates e António Champalimaud deram um grande exemplo: Sem deixar de beneficiar, a si e à sua familia, dos méritos e dos frutos do seu empreendedorismo, não deixaram também de mobilizar partes significativas das suas fortunas pessoais para desenvolver projectos que beneficiam toda a sociedade.


Artigo publicado na edição "Noticias de S.Brás", de Outubro

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