quarta-feira, 17 de junho de 2009

O rei morto





Uma das passagens que mais me tocou do livro de Rocha Martins, sobre o regicídio (edição da Bonecos Rebeldes), pela sua poesia e dose dramática, foi a cena em que ele descreveu o primeiro cortejo do rei D. Carlos que teve lugar na mesma noite do dia do seu vil assassinato.




O percurso seguia entre a rua do Arsenal, onde existe hoje a Marinha, ao lado do Tribunal da Relação de Lisboa e da Câmara Municipal em direcção ao Palácio das Necessidades e aconteceu após ter sido confirmado o óbito do rei e do princípe.




Nessa mesma noite do regicídio, temia-se que os republicanos proclamassem o fim da monarquia pelo que, à cautela, foram lançadas as tropas e a guarda para as ruas de Lisboa.




Este cortejo, com guardas de escolta poderosos e belos, contrasta com a forma descuidada e displicente como a escolta do rei tinha sido conduzida umas horas antes, no Terreiro do Paço, no momento em que se deu o regicídio.




Nesse triste e nocturno cortejo ía uma parte de Portugal que morria.




Escreve Rocha Martins:


"Soou uma voz de comando e as carruagens largaram.


Era sinistro, horrível, aquele préstito entre soldados, pela noite, o transporte de dois reis mortos, o pai na frente, por sua categoria, atrás o filho do seu amor: e lembravam duas singulares figuras de cera trazidas de uma feira para um museu de grandezas passadas.


Lindíssima, a noite de luar estendia-se tremeluzente de estrelas límpidas e o cortejo passava no silêncio e na dor, sob os esplendores da Natureza"




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