sexta-feira, 3 de abril de 2009

Dante e o meu filho


Talvez por saber que as suas duas avós já cá não estão, o meu filho de 6 anos tem lidado com muita naturalidade e resignação com o tema da "morte".


O assunto surge naturalmente a propósito das "mães dos pais" que naturalmente dizemos que já cá não estão.


Muitas vezes, sobretudo de manhã no caminho para a escola, ele pede-me para baixar ou tirar o som da rádio e desata-me a bombardear com perguntas complexas sobre teologia, filosofia, etc. às quais eu devo responder algures durante os 20 minutos que dura a viagem, enquanto a irmã mais nova vai apreciando a paisagem pela janela, alheia à discussão, e mais empenhada em devorar as bolachas que leva na mão.


Como a mãe não acredita em nada, gosto sempre de deixar claro que o céu, o inferno e o purgatório (a que chamei de "sala de espera", para facilitar) são coisas que só acredita quem quer e que, se ele não quiser, à semelhança da sua mãe, pode também não acreditar.


Mas, para um miúdo de 6 anos, com uma imaginação fértil, para já, vejo que ele prefere acreditar.
Já virá o tempo onde será fortemente tentado a não acreditar em absolutamente nada e a achar muito mais interessante a silhueta da futura Shakira a ter que pensar sobre estes temas mais incómodos.


As perguntas são do género, "o que fazem as pessoas no céu?", "no purgatório?" (ou sala de espera, como lhe chamei, para facilitar) e no inferno.
Eu respondo-lhe, para sua decepção que não faço a mínima ideia já que nunca lá estive e, por isso, não posso contar.

(Nota: Ouvi um dia um sacerdote dizer que o "céu" seria como uma enorme plateia, como num estádio de futebol, onde o público vai incentivando, aplaudindo, assobiando, ora entusiasmado, ora decepcionado, o que os jogadores, isto é, nós que ainda por cá andamos na terra, vão fazendo).



Mas dos 3 sítios, aquele que o meu filho mais aprecia é a "sala de espera" que é para onde vão as pessoas que fazem coisas boas, mas também fazem coisas más.
Foi, aliás, um enorme alívio para ele quando lhe contei que existia um "tertio genus" para as pessoas que não são só boas, nem são só más. Aí ele incluíu-se logo e eu infelizmente também lá me incluí.

(Nota: Já se eu lhe contasse que os cristãos de raíz protestante não têm purgatório e com eles é "ou tudo ou nada", leia-se, ou "céu com passarinhos" ou "inferno com labaredas" talvez ele ficasse mais preocupado. Mas, ele que fique, para já, com a sua sala de espera que assim dormirá mais descansado e nós não queremos que ele tenha grandes preocupações existenciais)

Isto tudo, a propósito deste blog católico americano cujo autor tem vindo a partilhar os seus comentários e reflexões sobre a obra épica de Dante Alighieri "Divina Comédia", uma obra muito interessante, do Renascimento, donde se podem tirar muitos ensinamentos.

É claro que para o cidadão dos nossos tempos, pragmático e agnóstico estas considerações escatológicas são tudo umas patetices e fantasias, mas o assunto inquieta uma criança de 6 anos e, embora eu lhe possa dizer para esquecer e se concentrar antes no "American Dragon" (os seus desenhos preferidos) e volte a aumentar o som da rádio, ele volta e meia regressa à carga com o assunto:


- E na sala de espera, o que é que lá ficamos a fazer ? Há televisão (pergunta pouco original que todas as crianças fazem)

Bom, a obra de Dante que é uma mera ficção, como se sabe, diz-nos que no Inferno sente-se um fogo que faz com que permanentemente apeteça mergulhar num baú cheio de cubinhos de gelo, enquanto que, no Purgatório, existe um fogo menos intenso ao qual as pessoas que lá estão aderem voluntariamente porque sabem que só assim poderão chegar depois ao céu.

Esta é a diferença entre o inferno, onde se sofre porque se foi condenado, do purgatório onde se sofre porque se quer e se aceita esse sofrimento como meio de expiação e expurgação dos males anteriormente cometidos.
Um pouco como na Quaresma que agora se está a acabar...
P.S.- Ele já perguntou à minha empregada se ela acredita nestas coisas, ao que, parece, a mesma terá respondido, de forma airosa, "que ainda estava a pensar sobre o assunto"

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