Só a loucura tem a virtude de prolongar a juventude, embora fugacíssima e de retardar bastante a malfadada velhice
In “O Elogio da Loucura” de Erasmo de Roterdão
O nosso telejornal e o nosso dia a dia comunitário tresandam a mofo. A modorra, os “lugares comuns”, a banalidade, a chatice e a seca são o que mais caracteriza o quotidiano dos portugueses e, penso eu, de todas as sociedade democráticas ditas modernas.
O Estado Democrático encontra-se cheio de gretas e fendas. Os soldados do modelo de Democracia e de salvação mundial denominado Estados Unidos da América entretêm-se a massacrar inocentes no Iraque, enquanto outros árabes vão-se entretendo a fazer alguns dos seus irmãos irem pelos ares.
O futebol, sim o futebol é o que nos salva. Alegre alienação que nos alivia deste panorama horrífico. Mas o futebol não basta. O Mundial só acontece de 4 em 4 anos e os campeonatos internos de futebol dão para se ir falando, mas não enchem o dia.
Um dia, António Lobo Antunes, numa entrevista, dizia que ninguém é são e todos temos um “pancada”, uns mais, outros menos. O escritor brasileiro Machado de Assis, por sua vez, dizia que o primeiro que disser que é são, então é porque é doido.
Hoje em dia estão muito na moda as depressões. Há depressões causadas por motivos profissionais, por motivos passionais, por motivos de doença ou falecimento. Ser depressivo significa não ter um tubo de escape e fazer com que os gases e demais poluentes fiquem todos dentro, causando danos, por vezes, irreparáveis.
Ser doido, pelo contrário, significa ter um escape. Ser doido não significa necessariamente ser contrário à realidade, mas antes ser ou fazer diferente do que é real.
Ser doido pode ser andar à noite pelas ruas a fazer exercício, ou ficar de pino encostado à parede durante 10 minutos, ou ir de bicicleta de S.Brás à ilha de Faro, ou participar numa manifestação a favor dos leões marinhos da Antárctida, ou fazer como um colega meu que um dia pôs-se à porta da Universidade a recolher assinaturas contra a Ecologia, ou pôr-se em pé da mesa para ver a sala de aulas de forma diferente, como defendia o professor do filme dos “Clube dos Poetas Mortos”, ou vestir de forma diferente, ou deixar crescer uma barbicha, ou usar uns óculos escuros redondos, ou ousar protestar e dizer o que todos pensam, mas ninguém quer dizer, ou pintar o cabelo, ou usar ténis com fato e gravata, ou beber leite num bar à noite, etc...
É preciso lutar contra a repetição, contra o cinzentismo nacional, tão típico dos portugueses. E, por tudo isto é que ser “doido”, neste sentido, é muito, muito saudável e as Câmaras Municipais, o governo e as associações deviam incentivar, cada vez mais, actos de loucura individuais ou colectivos que ora sirvam de libertação, ora sirvam de incentivo à criação e à produtividade .
Não julgo ninguém pelas suas “doideiras”, embora umas talvez sejam mais saudáveis do que outras; desde que não violem a lei e o Código Penal, tudo é legítimo se se acredita no que se faz.
Por isso, no meio disto tudo, o pior de tudo é ser “são” e ficar quieto sem fazer nada. E, no meio de tanta letargia, a verdade é que todos nós corremos muito o risco de cair nessa epidemia.
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