sexta-feira, 24 de novembro de 2006

VARIAÇÕES

A nossa sociedade hodierna caracteriza-se pelo extremo materialismo e pela ganância do ter que nos mantém anestesiados e totalmente alheados de outras dimensões da vida humana, roubando-nos tempo para pensar e força para ter vontade de “mudar de vida”.
António Joaquim Rodrigues Ribeiro ou também chamado de António Variações viu-se confrontado com estas duas dimensões. Por um lado, o medo da sua Editora em não ganhar o dinheiro suficiente com os seus discos, o que a levou a adiar sucessivamente o lançamento do seu primeiro disco. E, por outro, a riqueza do seu mundo interior, o mérito raro de ser um homem pensante. Foi o seu irmão, advogado, quem pressionou a sua Editora a cumprir o contrato que tinha assinado e foi também o seu irmão quem, recentemente, levou a esta mesma Editora várias cassetes com músicas inéditas. O resultado dessa persistência foi um êxito; o êxito de António Variações e dos “Humanos” grupo composto com o único fito de cantar aquelas músicas que a doença e a morte prematura o impediu de cantar.
António não percebia nada de música. Limitava-se a escrever as letras, depois num gravador cantava a sua melodia, enquanto batia com o dedo em cima da mesa; pegava então nessas cassetes e levava-as, por fim, à sua Editora que, por sua vez, contratava músicos profissionais para fazerem os respectivos arranjos. Era isso que acontecia antes e foi isso que aconteceu agora com o disco dos “Humanos”, com o mérito de, neste último caso, os arranjos musicais serem já mais sofisticados do que no tempo do cantor.
“Entre Nova York e a Sé de Braga” era como António Variações definia o seu próprio estilo. Um homem que sintetizava em si mesmo a extravagância da sua vida vanguardista, até mesmo na forma de vestir, com a nostalgia da sua aldeia natal, da sua mãe “Deolinda de Jesus” a quem dedicou uma música, dos “Anjos da Guarda” que lhe ensinaram em menino serem a nossa companhia, da “Amália” que era o seu ídolo e a sua religião. Ele representa o choque entre a vida conservadora do campo e a vida fascinante, mas cheia de perigos, da cidade moderna.
O frenesim da cidade e a inquietação que nos leva a querer tudo e a não ficar satisfeito com nada, como ele cantava na sua música “Estou além” ou a exaltação da sua forma de vida extravagante, à boa maneira Bocageana, em músicas como a “Canção do Engate” ou “O corpo é que paga” ou entre muitas outras, a estrofe da canção “A culpa é da vontade”, na qual ele diz “A culpa não é da praia se o meu corpo se ferir / a culpa é da vontade de te sentir / vontade que só morre com a idade / a idade do meu fim.” dão-nos uma imagem daquilo que nós também somos, entre excessos e defeitos e, por isso mesmo, tornam essas músicas, cantaroladas, numa cassete audio, por um barbeiro que veio de uma aldeia perdida no meio do campo, em algo que será para sempre imortal.

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