quarta-feira, 14 de março de 2007

A liberdade e a Beleza Americana


Como advogado tenho-me confrontado com algumas situações de divórcio, na qual uma das partes se “cansou” da outra e se cansou das rotinas próprias das organizações familiares. Estou a falar de pessoas já com vários anos de casados e até com vários filhos.
Lembro-me, em especial, do filme “A Beleza Americana”, de Sam Mendes que foi, na altura um grande sucesso por reflectir, de forma brilhante, os males e vícios das sociedades modernas ocidentais. Nesse filme, um pacato americano de classe média, perante a monotonia a que o seu casamento e a sua profissão tinham chegado, resolve dar o “grito do Ipiranga”, separa-se da mulher, tenta seduzir a melhor amiga da filha, despede-se, volta a fumar charros.
A este propósito, veio-me à cabeça uma outra obra, desta vez, literária, “A Cidadela” de Saint Exupery. Aí relata-se a história de uma cidadela composta por uma grande muralha que a rodeava e a protegia. A dada altura, vários habitantes optaram por dela sair, fartos dessa prisão, passaram a viver fora da cidadela, com isso, o elo de ligação quebrou-se, as muralhas tornaram-se, então, mais vulneráveis, os inimigos aproveitaram-se disso e houve grandes males onde antes havia harmonia e paz.
A nossa vida é caracterizada sempre por uma crise existencial permanente: ou se quebra o que se faz ou se mantém onde se está, aprofundando e enchendo de frutos o que já se está a fazer. A resposta para este dilema, por sua vez, fica algures entre a nossa vontade débil e o cumprimento dos apelos da responsabilidade.
Diz um Santo dos nossos tempos, S.José Maria Escrivá de Balaguer “Nada mais falso do que opor a liberdade à entrega, porque a entrega surge como consequência da liberdade. Reparem que, quando uma mãe se sacrifica por amor aos filhos, escolheu; e, segundo a medida desse amor, assim se manifestará a sua liberdade.”. E, por sua vez, o filósofo Joseph Ratzinger, na pele de Papa Bento XVI, fala-nos do EROS, enquanto atracção e da ÁGAPE que é a dádiva e a renúncia ao outro como consequência dessa mesma atracção.
O problema está quando exploramos apenas o EROS e recusamo-nos a avançar para a ÁGAPE, isto é, para a renúncia uma vez que toda a liberdade implica uma renúncia. Dizia, Miguel Esteves Cardoso que se sentia profundamente deprimido por entrar numa biblioteca e constatar que, embora quisesse, sabia que nunca conseguiria ler todos aqueles milhares de livros; assim como um homem pode-se sentir deprimido por não poder enamorar-se por muitas outras mulheres ou por morrer sem conhecer tantos outros sítios do mundo. Por isso, há que optar ou, direi antes, apostar. Porém, nem sempre temos a força suficiente para o fazer.
Não me posso esquecer, porém, da cena que para muitos exprime a essência do filme “A Beleza Americana”- o saco de plástico vazio que avança e recua, na rua, ao sabor do vento. Não será esse o símbolo de quem tudo e nada quer?
Esse vazio, essa ânsia por uma liberdade desenfreada leva, no fim do filme, a um resultado catastrófico. É bom pensar antes de tomar a decisão radical do que realmente queremos fazer da nossa vida.

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