quarta-feira, 14 de março de 2007

PAra ler e, se conseguirmos, meditar


A propósito da Quaresma, escrito de D.JAvier Echevarria para ler e meditar até à Páscoa de tão rico que é.
Daremo-nos nós conta da riqueza que é o Cristianismo, a riqueza que é a loucura de alguém que se entrega contra si próprio e que ousa fazer tudo o contrário que os nossos instintos e má predisposições nos aconselham diariamente a fazer.
Aqui fica:


"Começámos a Quaresma, tempo forte liturgicamente, em que a Igreja nos convida a uma nova conversão. Todos precisamos desta mudança, ou seja, de rectificar com constância o rumo da vida para alcançarmos o nosso fim último: a posse e o gozo de Deus por toda a eternidade.

Contudo, sabemos por experiência que, enquanto caminhamos na Terra, podemos perder a direcção ou, pelo menos, desviar-nos da rota. Por isso temos de fazer os oportunos reajustamentos, com optimismo, como o avião ou o barco para chegarem ao seu destino.

Dizia o queridíssimo João Paulo II que todos os seres humanos, por estarmos in statu viatoris, na condição de caminhantes que se dirigem à pátria celestial, estamos também in statu conversionis em estado de conversão. Concluía daí que temos de viver em conversão permanente, e que este facto caracteriza profundamente a nossa peregrinação terrena (Cfr. Carta Enc. Dives in misericordia, 30-11-1980, nº 13). Mas, insisto, sempre cheios de alegria e de esperança, porque o Senhor nos aguarda.

A esta fidelidade nos anima a Quaresma, época especialmente adequada para nos esforçarmos com maior determinação na própria mudança pessoal, porque contamos com uma graça específica neste tempo litúrgico. Meditemos numas palavras de S. Josemaria. Entramos no tempo da Quaresma: tempo de penitência, de mortificação, de conversão. Não é tarefa fácil. O cristianismo não é um caminho cómodo; não basta estar na Igreja e deixar que os anos passem. Na nossa vida, na vida dos cristãos, a primeira conversão – esse momento único, que cada um de nós recorda, em que advertimos claramente tudo o que o Senhor nos pede – é importante, mas ainda mais importantes e mais difíceis são as conversões sucessivas. É preciso manter a alma jovem, invocar o Senhor, saber ouvir, descobrir o que corre mal, pedir perdão, para facilitarmos o trabalho da graça divina nessas sucessivas conversões (Cristo que passa, nº 57).

A Paixão e Morte do Senhor são o maior acto de amor, de completa entrega de Si, que se realizou e se poderá alguma vez realizar na História. O Filho de Deus faz-se homem e morre para nos livrar dos nossos pecados. Por isso, nestas semanas, o Santo Padre convida-nos a dirigir o nosso olhar com participação mais viva (…) para Cristo crucificado que, morrendo no Calvário, nos revelou plenamente o amor de Deus (Mensagem para a Quaresma de 2007, 21-11-2006).

A mesma recomendação nos fazia frequentemente S. Josemaria. Quantas vezes nos animava a pegar no crucifixo e a colocar-nos com valentia diante do Senhor, para ouvir o que Ele nos quiser dizer na Cruz! Meditemos, por exemplo, naquelas suas palavras: amo tanto Cristo na Cruz, que cada crucifixo é uma recriminação carinhosa do meu Deus: ... Eu sofrendo e tu esquecendo-Me. Eu pedindo-te e tu ... negando-Me. Eu, aqui, com gesto de Sacerdote Eterno, padecendo tudo o que posso por teu amor... e tu queixas-te ante a menor incompreensão, ante a humilhação mais pequena... (Via Sacra, XI estação, ponto 2). Vi-o beijar o Senhor crucificado com verdadeiro amor e com desejo de reparar.

Se, durante estes dias, nos pomos diante de Jesus Cristo crucificado com total sinceridade, não tardaremos a descobrir os pormenores concretos em que Ele espera que melhoremos. A verdade é que os ideais de santidade não podem ficar em fantasias, em desejos ineficazes, hão-de traduzir-se em propósitos concretos, numa luta interior bem determinada.

Talvez em determinadas alturas possamos descobrir que precisamos de fazer uma viragem radical na nossa actuação, porque os caminhos por onde andamos não nos aproximam de Deus. Outras vezes – e será o mais frequente – precisamos de melhorar em pontos que nunca são pequenos, se nos motiva o amor.

Seja como for, não esqueçamos que – como diz o Papa Bento XVI – esta conversão do coração é, antes de mais, um dom gratuito de Deus (…). Por isso, Ele mesmo antecipa com a Sua graça o nosso desejo e acompanha os nossos esforços de conversão. E o Papa acrescenta: Que significa realmente converter-se? Converter-se quer dizer procurar Deus, caminhar com Deus, seguir docilmente os ensinamentos do Seu Filho, de Jesus Cristo. Converter-se não é um esforço para se autorealizar, porque o ser humano não é o arquitecto do seu destino eterno (…). A conversão consiste em aceitar livremente e com amor que dependemos totalmente de Deus, o nosso verdadeiro Criador, que dependemos do Amor. Na realidade, não se trata de dependência mas de liberdade (Discurso na Audiência geral de Quarta-feira de Cinzas, 21-2-2007).

Em cada uma destas mudanças entram em jogo a chamada de Deus e a liberdade humana. Deus – o Amor por essência – entregou-se-nos liberrimamente em Jesus Cristo, e espera que nós nos abramos ao Seu Amor. Na Cruz é o próprio Deus que mendiga o amor da Sua criatura: Ele tem sede do amor de cada um de nós (Mensagem para a Quaresma de 2007, 21-11-2006), escreveu o Santo Padre mostrando como, na figura de Cristo cravado na Cruz, se fundem os dois aspectos da caritas: o amor de doação e o de posse.

Mais ainda: a revelação do eros de Deus ao homem (o Seu grande desejo de ser amado por nós) é, na realidade, a expressão suprema do Seu ágape (a Sua doação absoluta e incondicionada). Na verdade, só o amor no qual se unem o dom gratuito de si e o desejo apaixonado de reciprocidade infunde um enlevo que torna leves os sacrifícios mais pesados (Ibid).

Nestas palavras da sua mensagem quaresmal, Bento XVI oferece aos cristãos uma luz que nos pode ajudar muito durante estas semanas que desembocam na Páscoa. Procuremos aproveitá-la. Perguntemo-nos como estamos a corresponder pessoalmente, em cada dia, ao amor imenso e infinito de Deus por cada uma, por cada um, de modo concreto e eficaz.

As práticas próprias deste tempo litúrgico – oração, penitência, obras de caridade – podem concretizar o nosso esforço de conversão. Como nos vamos preparando para o Tríduo Pascal, com desejos santos de estar com Cristo, de sofrer com Cristo, de nos darmos com Cristo? Ele o quer e nos pede que, também na Sua Paixão, O acompanhemos.

Talvez possamos cuidar com mais carinho alguma norma de piedade (a oração, a Santa Missa, o Terço). Talvez possamos aumentar o oferecimento de pequenas mortificações, em que se manifesta o espírito de penitência: por exemplo, fazer com a maior perfeição possível um aspecto particularmente custoso da tarefa que nos ocupa; acolher com boa disposição quem recorre a nós à procura de um conselho ou de uma ajuda; esmerar-nos em servir as pessoas com quem nos relacionamos mais; pôr na comida e na bebida o ingrediente de uma pequena mortificação que nos ajude a viver esses momentos na presença de Deus. S Josemaria costumava recomendar uma que está ao alcance de todos: comer um bocadinho mais do que gostamos menos e um bocadinho menos do que gostamos mais. Filhas e filhos meus, temos bem presente que não há cristianismo, vida cristã pessoal sem Cruz? O amor à Cruz orienta os teus dias?

Como a oração e a mortificação são colunas sobre as quais se levanta a actuação do cristão, ao concretizar por esse caminho o desejo de uma nova conversão, encontraremos formas muito variadas de melhorar na prática da caridade fraterna: desde a atenção material a quem dela necessita até ao conselho capaz de abrir a outras pessoas horizontes novos, na luta por serem bons cristãos. Neste sentido, não esqueçamos a importância do apostolado da Confissão, intensifiquemo-lo nesta Quaresma, de modo a que muitas pessoas cheguem às festas pascais depois de, bem preparadas, terem recorrido ao sacramento da misericórdia divina.

Dou-vos mais um conselho, seguindo as palavras do Santo Padre na Quarta-feira de Cinzas: esmeremo-nos em cultivar um intenso espírito de recolhimento e de reflexão (Discurso na Audiência geral de Quarta-feira de Cinzas, 21-2-2007). Com efeito, é este o clima em que amadurecem as verdadeiras conversões. Por isso, procuremos aumentar a presença de Deus ao longo do dia, servindo-nos talvez de alguma jaculatória especialmente adequada às nossas circunstâncias individuais: a Liturgia oferece-nos muitas durante estes dias. E esforcemo-nos por fazer bem o exame de consciência quotidiano. Esses minutos de reflexão, a sós com Deus cada um de nós, são um excelente ponto de arranque como uma mola que nos deve impulsionar – com as luzes e as forças que o Senhor nos conceder – à séria mudança no dia seguinte.

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